Irmãos na fé

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Basileia

13 de octubre de 2011

As Obrigações.. Las Obligaciones...

Este texto en portugues es de Reginaldo Prandi de su libro "Heredeiras do Axé"

Um ano após a feitura, o nascimento no santo, o Yawo deve fazer a sua primeira obrigação que tem como significado comemorar esse nascimento e o reforço dos seus votos. Nessa ocasião, são oferecidos: um Bori e um animal de duas patas.

Os votos serão renovados ao completar 3 (três) anos. Serão então oferecidos: um Bori e um animal de quatro patas que seja do fundamento do seu Orixá.

Aos 7 (sete) anos de feitura o Yawo alcança a maioridade no santo tornando-se Egbomin (irmão mais velho) e a partir deste momento está pronto para assumir funções sacerdotais, na sua comunidade ou tornar-se dono da sua própria casa. Ele já pode assumir o posto de Babalorixá.

Deká ou Obrigação de Sete Anos, é como se intitula este ritual de passagem.

As obrigações dentro do Candomblé não podem ser adiantadas, ou seja, dadas antes do prazo, existe a necessidade de ser respeitado o tempo para que sejam realizadas.

Somente a iniciação não assegura que o Yawo, receba o cargo de Egbomin, ele precisa cumprir todas as etapas descritas anteriormente e mesmo tendo mais de 7 (sete) anos de feito, enquanto não forem realizados os rituais de passagem seguindo a ordem cronológica, ele continuará sendo um Yawo.

O Egbomin recebe durante a cerimónia, elementos de fundamental utilidade para que exerça a função sacerdotal, entre eles, os seus búzios e a navalha; é justamente o conjunto destes elementos que origina o nome Deká. Além dos elementos, ele passa a ser detentor do fio de grau (Rungebe).

Outras duas obrigações são necessárias a este novo Egbomin, quando forem completados 14 (catorze) e 21 (vinte e um) anos de santo.

O Bori

Da fusão da palavra Bó, que em Ioruba significa oferenda, com Ori, que quer dizer cabeça, surge o termo Bori, que literalmente traduzido significa “ Oferenda à Cabeça”.

Do ponto de vista da interpretação do ritual, pode-se afirmar que o Bori é uma iniciação à religião, na realidade, a grande iniciação, sem a qual nenhum noviço pode passar pelos rituais de raspagem, ou seja, pela iniciação ao sacerdócio. Sendo assim, quem deu Bori é (Iésè órìsà).

Cada pessoa, antes de nascer escolhe o seu Ori, o seu princípio individual, a sua cabeça. Ele revela que cada ser humano é único, tendo escolhido as suas próprias potencialidades. Odú é o caminho pelo qual se chega à plena realização de Orí, portanto não se pode cobiçar as conquistas dos outros. Cada um, como ensina Orunmilá – Ifá, deve ser grande no seu próprio caminho, pois, embora se escolha o Orí antes de nascer na Terra, os caminhos vão sendo traçados ao longo da vida.

Exú, por exemplo, mostra-nos a encruzilhada, ou seja, revela que temos vários caminhos a escolher. Ponderar e escolher a trajectória mais adequada é a tarefa que cabe a cada Orí, por isso, o equilíbrio e a clareza são fundamentais na hora da decisão e é por intermédio do Bori que tudo é adquirido.

Os mais antigos souberam que Ajalá é o Orixá funfun responsável pela criação de Orí. Desta forma, ensinaram-nos que Oxalá deve ser sempre invocado na cerimónia de Bori. Iemanjá é a mãe da individualidade, e por essa razão está directamente relacionada com Orí, sendo imprescindível a sua participação no ritual.

A própria cabeça é a síntese dos caminhos entrecruzados. A individualidade e a iniciação (que são únicas e acabam, muitas vezes, configurando-se como sinónimos) começam no Orí, que ao mesmo tempo aponta para as quatro direcções.

OJUORI – A TESTA

ICOCO ORI – A NUCA

OPA OTUM – O LADO DIREITO

OPA OSSI – O LADO ESQUERDO

Desta mesma forma, a Terra também é dividida em quatro pontos: norte, sul, este e oeste; o centro é a referencia, logo, todas as pessoas se devem colocar como o centro do mundo, tendo à sua volta os quatro pontos cardeais: os caminhos a escolher e a seguir. A cabeça é uma síntese do mundo, com todas as possibilidades e contradições.

Em África, Orí é considerado um Deus, aliás, o primeiro que deve ser cultuado, mas é também, juntamente com o sopro da vida (emi) e o organismo (ese), um conceito fundamental para compreender os rituais relacionados com a vida, como o Axexê (asesé). Nota-se a importância destes elementos, sobretudo o Orí, pelos Orikis com que são invocados.

O Bori prepara a cabeça para que o Orixá se possa manifestar plenamente.

Entre as oferendas que são feitas ao Orí algumas merecem menção especial. É o caso da galinha de Angola, chamada Etun ou Konkém no Candomblé; ela é o maior símbolo de individualização e representa a própria iniciação. A Etun é adoxu (adosú), ou seja, é feita nos mistérios do Orixá. Ela já nasce com Exú, por isso se relaciona com o começo e com o fim, com a vida e a morte, por isso está no Bori e no Axexê.

O peixe representa as potencialidades, pois a imensidão do oceano é a sua casa e a liberdade o seu próprio caminho.

As comidas brancas, principalmente os grãos, evocam fertilidade e fartura. Flores, que aguardam a germinação, e frutas, os produtos da flor germinada, simbolizam a fartura e a riqueza.

O pombo branco é o maior símbolo do poder criador, portanto não pode faltar. A noz cola, isto é, o obi é sempre o primeiro alimento oferecido a Ori; é a boa semente que se planta e se espera que dê bons frutos.

Todos os elementos que constituem a oferenda à cabeça exprimem desejos comuns a todas as pessoas: paz, tranquilidade, saúde, prosperidade, riqueza, boa sorte, amor, longevidade, mas cabe ao Orí de cada um eleger as prioridades e, uma vez cultuado como deve ser, proporciona-as aos seus filhos.

Nunca se esqueça: Orixá começa com Orí.

In: Revista dos Orixás

As Kuras de Fecho do Corpo

Durante o primeiro processo de iniciação, que normalmente tem a duração de 21 dias, são diversos os rituais que têm lugar, e pelos quais os Yaôs têm que passar para poderem receber o seu Orixá de forma íntegra.

São tomados diversos cuidados para que o iniciado possa de facto, dali para a frente estar munido do conhecimento necessário, mas também de defesas necessárias, uma vez que vai nascer para a sua “nova vida”.

Não se trata só de munir e proteger o espírito das defesas necessárias, mas também o seu corpo físico, e nesse âmbito, são feitas as chamadas Kuras.

As Kuras são incisões feitas no corpo do Yaô, que por um lado representam o símbolo de cada tribo, como o símbolo de cada Ilê (casa ou terreiro), mas têm o objectivo de fechar o corpo do Yaô, protegendo-o de todo o tipo de influências negativas.

Para isso são feitas as incisões (o que chamamos de abrir) e nessas incisões é colocado o Atim (pó) de defesa para aquele Yaô (iniciado). O Atim tem uma composição base de diversas plantas e substâncias, mas o Atim utilizado para as Kuras, contêm também as ervas do Orixá daquele Yaô em quem ele vai ser aplicado.

Sabemos que em algumas casas a Kura pode também ser tomada como infusão de ervas, porém na maioria das Casas de Candomblé, e cumprindo o preceito rigoroso, as Kuras, que são de origem Africana, são feitas como incisões ou cortes, e nesse cortes são colocados pequenos punhados de Atim, para que esse Atim penetre no corpo e o proteja de males exteriores enviados contra a pessoa.

Normalmente, as Kuras são feitas no peito, dos dois lados, nas costas, também dos dois lados e nos braços; evitando assim que de frente, de costas ou no manuseio de qualquer coisa algo negativo possa entrar no corpo do Yaô.

Além dessas, na feitura do Santo, abre-se também o Farim, que é uma Kura no centro do Orí, do Yaô, que por um lado impede também que algo de mal possa entrar na cabeça do Yaô, mas que facilita também a ligação com o seu Orixá.

É comum também fazer-se na sola dos pés para evitar que o pisar de algo negativo possa interferir com o Yaô, havendo ainda, alguns zeladores que fazem uma Kura na língua dos seus Yaôs, para que os mesmos não comam comidas “trabalhadas”, e caso as comam, para que essas comidas não lhe façam mal.

O Transe e a Identidade

Na visão do Candomblé, com a iniciação recupera-se uma identidade natural e social perdida por várias causas e que é o fundamento, que estava presente desde o nascimento. Esta é a memória do corpo, que ritualmente vai ser re-activada e fixada através de longas etapas de aprendizagem e incorporação dos fundamentos da vida religiosa, através da dança e da música. À medida que o filho-de-santo vai avançando nos passos da sua iniciação, estará também a ingressar numa ordem sócio-cosmológica na qual o corpo e as suas sensações ocupam um lugar de destaque. (Brito Polvora, 1995).

Segundo os relatos dos iniciados, o “chamado” do Orixá pode acontecer de diversas formas: sonhos, sensações, visões, doenças estranhas que não são confirmadas pela medicina tradicional, e, em geral, um sofrimento psíquico ou físico que se manifesta de um dia para o outro sem uma explicação certa.

No contacto com estas pessoas, colocando-lhe questões, surge um mundo fantástico e em movimento que se agita no corpo e que, com grande dificuldade, pode ser expresso com palavras e entendido por aqueles que não o experimentaram.

A iniciação, como relata Reginaldo Prandi, “consiste, pois, em etapas de aprendizado ritual, por parte do filho-de-santo, e em estágios de adensamento da sacralidade do orixá particular deste iniciado ” e no desenvolvimento de uma nova identidade que, conforme estas pessoas, parecem ser mais seguras – as pessoas afirmam sentir-se mais protegidas, dizem que “aprendem a lidar com a vida de outra forma”.

A idedntidade sonora

Segundo as lendas, a divindade suprema dá a vida ao homem através do sopro (Emí). Por causa disso, o candomblé pode ser considerado uma religião pneumática , ou seja, entende-se que a criação se originou pelo ritmo da respiração da divindade.

Segundo a mitologia, cada pessoa nasce com um dono-da-cabeça, que vive no corpo através do seu ritmo individual, da sua respiração, do seu andar. Esse ritmo pessoal, por diversas causas, pode ser esquecido ao longo da vida . O ritmo interior, ligado ao Orixá dono-da-cabeça , ao longo da aproximação à religião e mais exatamente na iniciação, é feito emergir e fixado definitivamente no corpo, este ritmo tem uma vibração que a música capta e expressa como uma memória da identidade espiritual.

A personalidade do Orixá é inscrita no corpo do iniciado em rituais secretos que prevêem como uma das condições o uso do ritmo e do som. Nessa fase dramática da vida do iniciao, a base rítmica do próprio dono-da-cabeça (o toque especifico e a sua cantiga) vai-se tornar um ritmo permanente que serve como pano de fundo para as actividades progressivas do recém-nascido. Assim, todas as vezes que os Alabés tocarem, a identidade sonora do filho-de-santo responderá aos tambores, cujo toque chama o seu Orixá.

Sendo a iniciação a representação do nascimento, o fiel nasce simbólicamente uma segunda vez, numa nova vida, e, sendo o som, o ritmo, o movimento, elementos constantes da vida fetal, os movimentos e ritmos que os iniciados aprendem no Roncó irão ocupar também uma parte importante da sua memória original e serão inscritos no seu corpo. A identidade sonora (o toque do Orixá) pode ser equiparada à alma do iniciado, que ele manifestará nos rituais periódicos.

Os toques tão diferentes de Iansã ou de Iemanjá, por exemplo, atestam inequivocamente os traços da personalidade desses Orixás. A primeira, nervosa e livre; a segunda, uma matrona calma e independente que anda distribuindo alimentos e harmonia. De facto, cada Orixá tem o seu toque único e original que simbolicamente corresponde à sua voz, à sua personalidade, ao seu movimento, aos seus aspectos mitológicos e aos elementos naturais dos quais é composto.

Essa identidade sonora do Orixá contém a identidade sonora do possuído. A música é a comunicação entre o filho e o Orixá, enquanto a dança é a manifestação dessa comunicação. O possuído reconhece, a um nível sensual, os ritmos e os movimentos precedentemente inscritos no seu corpo e, todas as vezes que ouve a sua identidade sonora, ele responde com o corpo.

A comunicação acontece aí a um nível muito subtil: o som dos tambores propaga-se através de todos os sentidos, a música envolve a pessoa como um todo e obriga-a a comparticipar do som. Em geral, com a passagem do tempo e o aumento dos anos de iniciação, o ritmo interior corresponderá sempre mais ao ritmo exterior, numa progressiva união e conhecimento com o Orixá do qual é filho. Cabe ao fiel moldar-se e comunicar com o Orixá, até entender as suas mensagens aprendendo a “dançar” na vida quotidiana.

No Candomblé, o Orixá pode chamar o fiel de diversos modos e muitas das vezes fá-lo através de uma doença ou de uma desordem psíquica. Se a divindade exige ser feita, o filho-de-santo será iniciado, obtendo na esmagadora maioria dos casos a cura da doença e um maior equilíbrio psicológico. O tratamento é, em grande medida, conduzido através da música, que põe em comunicação a terra, o Aiê, com o mundo espiritual, o Orum – isto é, o exterior e o interior.

A cura na terapêutica do Candomblé, é muito fascinante, em especial quando é contraposta à terapêutica oficial, em que o doente é privado do próprio corpo, na maior parte das vezes fragmentado e desprovido de uma história própria. Pelo contrário, no Candomblé o corpo é percebido como um todo e deve ser activado para aprender a cuidar-se e a dar valor às experiencias feitas no mundo, para aprender a “ser-no-mundo” agora.

O elemento sonoro-musical utilizado no tratamento põe o fiel numa nova dimensão existencial, a da experiência religiosa, orientando-o e protegendo-o no contexto ritual. A partir do momento em que existe uma harmonia entre a música interior, a própria identidade sonora e aquela dos tambores, advém o conhecimento da identidade espiritual, do outro, do divino e, através do outro, de si. 

Aparece, assim, o conceito do “duplo” divino: o filho-de-santo, deixando-se possuir, cria, ele mesmo, o “outro” e, nesse processo de criação-incorporação, experimenta-o intensamente dentro de si, até ele mesmo o possuír, inscrevê-lo no próprio corpo como uma nova identidade-rítmica interior, à qual poderá fazer referência ao longo da sua vida.Segundo o candomblé é através do corpo que o homem inicia o conhecimento religioso e alcança uma nova identidade mais forte e protectora, a do Orixá.

É no corpo que vivem as experiências e se unem as várias informações simbólicas sobre o mundo; é no corpo que, vivendo as energias sagradas, o fiel se pode comunicar com o Divino.

Hierarquia do Terreiro de Candomblé

Filhos de Santo

Os filhos-de-santo são os sacerdotes dos orixás, da mesma forma como, na Igreja Católica, os padres são os representantes de Deus. Nem todos, porém, são preparados para “receber” os santos. Existem os que cuidam dos filhos-de-santo quando os orixás “baixam”, os que sacrificam os animais, os que tocam os atabaques e os que preparam a comida. Os búzios, usados como instrumento de adivinhação, é que vão dizer qual é a função de cada um.
A entrada para essa hierarquia é por indicação do orixá. É o que se chama “bolar no santo”. A partir daí, o abiã(noviço) tem que se submeter aos rituais de iniciação - cerimónias do bori, orô e saídas de iaô.
Um recém-iniciado passa de um a seis meses a viver dentro de severas restrições. É o tempo de quelê - o período em que o abiã usa um colar de contas justo ao pescoço. Enquanto usar o quelê, ele deve vestir branco, comer com as mãos e sentar-se só no chão. Estão proibidas as relações sexuais e os pratos que não sejam os do seu orixá.
Nem todos os terreiros seguem à risca todas as imposições. Mas pelo menos algumas têm de ser obedecidas: é parte do compromisso do abiã com o seu Orixá e o seu pai ou mãe-de-santo. As obrigações não terminam por aí: o iniciado, que agora se chama iaô, terá de cumprir ainda três rituais - depois de um ano, três anos e sete anos - , com sacrifícios, toques e oferendas.

Só depois ele se pode se candidatar a ebômi, o grau seguinte da hierarquia

É o mesmo que cair no santo. Este é o sinal que indica a necessidade de iniciação de uma pessoa no candomblé. Acontece sem previsão, normalmente numa festa: durante a dança e os cânticos o orixá “manifesta-se” no futuro filho-de-santo, que é agitado por tremores e sobressaltos violentos. Quem já “bolou” conta que sentiu arrepios, calor, fraqueza e sensação de desmaio. Quando acorda no roncó (o quarto do terreiro reservado à pessoa que “bolou”), o abiã não se consegue lembrar de nada do que aconteceu.

a cerimónia que reforça a ligação entre o orixá e o iniciado. O abiã senta-se numa esteira, rodeado de alimentos secos, aves, velas e objectos do seu orixá. Ajudado pelos filhos já feitos, o pai ou a mãe-de-santo sacrifica aves. O sangue é usado para marcar o corpo do noviço e para banhar as oferendas ao orixá. A cerimónia só termina quando as aves são servidas aos membros da família-de-santo.

Depois do bori, o futuro filho-de-santo passa a assistir às cerimónias e a preparar o enxoval (a roupa e os adereços de seu orixá) para terminar a iniciação, com as saídas de iaô.

Confinado ao quarto de recolhimento (roncó), por 21 dias, o noviço conhece a hierarquia da casa, os preceitos, as orações, os cânticos, a dança do seu orixá, os mitos e as suas obrigações. Durante esse tempo ele toma infusões de ervas, que o deixam num estado de entorpecimento e “abrem espaço” na sua mente para o orixá. A cabeça é raspada e o crânio marcado com navalha: é por esses cortes que o orixá vai “entrar”, quando for “incorporado”.

No final, o iniciado é “baptizado” com o sangue de um animal quadrúpede, sacrificado.

Na primeira saída, os iaôs vestem branco em homenagem a Oxalá, pai de todos. Saúdam o pai-de-santo, os atabaques e os pontos principais do barracão e vão-se embora.

Na segunda saída, os iaôs voltam com roupas coloridas e a cabeça pintada, segundo os seus orixás. Dançam e deixam o barracão, em seguida.

Na terceira saída, os orixás anunciam oficialmente seus nomes. Os iaôs entram em transe e retiram-se para vestir as roupas do santo “incorporado”.

Iniciação no Candomblé (2)

Depois da primeira parte deste tema, continuo agora com um pouco mais de informação sobre a Iniciação no Candomblé.

Brevemente, ainda voltarei a este tema e irei expor alguns detalhes importantes que completarão esta informação, que certamente propiciarão um conhecimento mais profundo deste “momento” tão importante na vida de cada um que decide abraçar o Candomblé como sua Religião.

Fazer santo: Quem, Quando e Como?

O momento do “chamado” é diferente para cada pessoa. Para alguns, uma doença difícil de ser curada, para outros, as dificuldades do próprio caminho; outros ainda, buscam fugir às religiões tradicionais por concluírem que muitas delas estão tão voltadas para o dia a dia dos homens e para os seus interesses imediatos que acabam por fugir à sua real finalidade: promover o encontro do ser com a Divindade, ampará-lo em suas dificuldades espirituais e consequentemente, também as materiais.

Alguns ainda são provenientes de outras religiões ou filosofias espiritualistas; finalmente, existem aqueles que simplesmente são tocados pelo Orixá, fundo na própria alma.

A iniciação (feitura) propriamente dita acontece num período de reclusão que varia entre sete a dezassete dias (embora alguns lugares adoptem 21). Essa reclusão (recolhimento) ocorre nos Templos Religiosos conhecidos como Casas de Candomblé, em aposentos próprios para tal finalidade.

Esse período é comparável à gestação na barriga da mãe; nesse aspecto, o aposento sagrado representa o ventre da própria mãe natureza. O neófito aprende os mistérios básicos das divindades e da Criação; os costumes da comunidade e os princípios que regulam as relações da família religiosa (hierarquia sacerdotal); as formas adequadas de comportamento nas cerimónias públicas e restritas. Conhecimentos acerca de seu próprio Orixá são-lhe ministrados: a maneira adequada de cultuá-lo, as suas proibições (ewò), as virtudes que deverão ser cultivadas e os vícios que deverão ser evitados para atrair influências benéficas e uma relação harmoniosa com a divindade pessoal.

O que pode mudar na vida do Iniciado?

O Destino é dado a cada ser na forma de possibilidade, nunca como fatalidade. Desse modo, quem antes de voltar ao mundo escolheu por exemplo ser médico, ao renascer na Terra encontrará no seu caminho situações que o direccionem para essa profissão. Entretanto, isto não quer dizer que necessariamente venha a exercer a medicina. Ele pode a qualquer tempo mudar os rumos da sua própria vida através do exercício do livre-arbítrio (o que, aliás, é um conceito universal).

Cada qual constrói a própria história. Ocorre muitas vezes a pessoa acabar por fazer escolhas erradas e sofrer consequências desastrosas. Pode ser fruto de um destino “negativo”, que exigirá tempo e determinação para ser superado. A dor transforma-se em companheira constante. Ligam-se a tudo isso os problemas do dia a dia (para não mencionar a situação difícil da sociedade contemporânea); o conjunto destes factores acaba por provocar sentimentos de impotência frente aos obstáculos e encruzilhadas da vida, ou simplesmente solidão, carência de carinho, de orientação, de coragem. Carência de fé.

O Orixá pessoal, nesse particular, pode influenciar em muito, prevenindo ou mesmo remediando estas situações, conferindo força e equilíbrio ao seu tutelado, restaurando-lhe as energias, estendendo-lhe protecção e orientando-o quanto ao melhor caminho a seguir.

Mas o indivíduo deve permitir que o Orixá actue de modo construtivo na sua própria vida. O Orixá não representa problemas no caminho de ninguém - pode significar a solução. Através do seu apoio divino o ser humano pode criar condições para vencer as barreiras internas e externas para a construção de um futuro melhor.

Iniciação no Candomblé (1)

Em Portugal, no Brasil e em vários lugares do mundo existem milhares e milhares de pessoas que, maravilhadas pelo mistério dos Orixás, quer sejam descendentes de africanos, europeus, asiáticos ou de qualquer outra raça do planeta, acabam transpondo as portas da iniciação, surpreendidos pelo paradoxo de defrontar-se com crenças alicerçadas em rituais de rebuscada complexidade e ao mesmo tempo simples no entendimento na sua essência.

As cerimónias são alegres, coloridas, embaladas pelo som dos atabaques, agregando pessoas de todas as camadas sociais; contudo, o aprendizado ritual e filosófico requer estudos sérios e contínuos, que acompanharão o iniciado pela vida fora. Que mistérios são esses, ocultos no meio de lendas e ensinamentos de sabedoria ancestral? O que na verdade leva as pessoas em busca da iniciação?

O que é a Iniciação?

Iniciar-se (popularmente diz-se “fazer santo”) é possibilitar através de rituais próprios, que o lado divino da pessoa transpareça; é libertar o Deus Interior que existe em cada ser humano, permitindo-lhe vir à tona, e provocar o impulso irresistível capaz de conduzir a individualidade à realização pessoal, estabelecendo dessa maneira a mais perfeita comunhão possível com o Universo, com a Natureza, com o Criador, com a própria Vida, no seu pulsar infinito.

Corpo físico, mente e alma são ritualisticamente preparados para os componentes da manifestação divina. Condições propícias são estabelecidas para que a memória ancestral possa florescer nos confins do inconsciente, produzindo muitas vezes o transe, nas suas mais variadas formas e também variados graus. “Fazer santo” é nascer de novo, renascer como indivíduo mais forte, completo, potencialmente seguro, com melhores condições para, ao abandonar medos, traumas ou bloqueios, se lançar inteiro na busca da realização pessoal.

Porquê “fazer santo”?

Conhecer-se a si mesmo: é o pressuposto básico para a realização pessoal em todos os níveis.

Desde a sua origem, o ser humano anseia pelo encontro com o Infinito. Essa busca incansável frequentemente provoca verdadeiras batalhas que são travadas no interior do indivíduo, acompanhadas por sentimentos de angústia, ansiedade, inconformismo ou até mesmo de desespero face ao desconhecido ou ao irremediável: as fatalidades e incertezas do amanhã, o ciclo da vida, a morte. Todo o processo de Iniciação se destina à criação do ambiente propício ao tão sonhado encontro.

A história da humanidade espelha essa incansável busca de respostas aos enigmas da vida: Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? A felicidade é perseguida por todos, sendo muitas vezes um desejo alimentado pela incerteza. E o ser humano continua a colocar a própria felicidade longe de si mesmo, em circunstâncias exteriores: dinheiro, posição, poder, fama, ou na dependência de outras pessoas: “Se ele – ou ela – me amar, serei feliz”.

Há milhares de anos, o nativo do continente africano já tinha os mesmos anseios: conhecer o seu Deus, os mistérios do Universo, a origem da Vida. Olodumarê (o Criador), em sua Graça e Poder infinitos, permitiu-lhes conhecer a sabedoria do IFA (a revelação): a Criação do Universo e dos seres humanos, os princípios que regulam as relações entre Ilú Aiyé (a Terra), o Orún (mundo espiritual) e o conhecimento dos Orixás, divindades intermediárias entre Deus (Olodumarê) e os homens.

Desenvolveram-se rituais iniciáticos para os mistérios dos Orixás, como forma de realizar o sagrado em si mesmo, ou seja, permitir que o Deus Interior, na figura de um ancestral divino, desperte em cada indivíduo e estabeleça a ponte com o Cosmos, tão necessária à realização pessoal, tornando-o assim capaz de fazer as escolhas mais acertadas e consequentes em relação à vida e aos semelhantes, na construção da própria felicidade.

A compreensão clara de que o destino é uma possibilidade e não uma fatalidade é a base dessa realização. O conhecimento das forças que regem o Universo e a Vida nas suas mais variadas formas e meios de manifestação, bem como dos princípios que regulam essa interacção é o caminho da Iniciação.





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